quarta-feira, 15 de agosto de 2012

cores não encaixavam entre os participantes do jogo amoroso



Estamos em 2012, século 21 e tal…mas ainda me surpreendo com a visão de casais inter-raciais. Não olho para eles com aquele ar de cinquentão caucasiano chocado com a “nojice” que é um negro com uma branca, ou o “desperdício” que é um branco agarrado a uma negra. É o ar de inveja de quem, apesar de ver que alguns problemas/atitudes ainda persistem, repara que os putos de hoje tem a vida muito mais facilitada do que eu tive “in the old days”.
    Ver um casal inter-racial na minha zona é tudo menos uma novidade, até os velhos do jardim já deixaram de prestar atenção e comentar a passagem de uma das possíveis combinações branco/negro de mão dadas…e no entanto, ainda há 15/20 anos atrás, as coisas eram muito diferentes no que respeita a interacções entre as raças. Do princípio:

- Nasci e cresci até aos 14 anos em Lisboa, mesmo na Baixa Lisboeta…numa rua onde éramos a única família africana. Logo aí, a chance de interacção com outros africanos era bem baixa. Nada para além das festas de uma família amiga nossa que vivia na Reboleira e um ambiente muito diferente do meu. Muitos miúdos negros, muitos e muitos, todos a correr de um lado para o outro e eu a olhar porque não havia nada disso na minha rua…nem miúdos e muito menos negros. É importante salientar que o meu grupo de amiguinhos se limitava a alguns colegas de escola e esses eram todos brancos, por isso percebem o baque de queixo.

- Mudei-me para Queluz e as coisas melhoraram ligeiramente…mais negros, mas mesmo assim, passei de turmas onde era o único, para turmas onde éramos gloriosamente 4! Uau…tantos. Adiante, eu estava em plena início de bombada hormonal e de um dia para o outro, as miúdas passaram a ser excelentes e o meu cérebro não conseguia perceber como eu havia conseguido viver sem elas durante tantos anos. Surgiu então a dúvida de como conseguir esse Pokemon raro que é uma namorada adolescente. Blábláblá (check), exibições de pujança física (check), técnicas amadoras e infantis (check)…e nada! Nada amiguinhos. Peraí, alguma coisa está a ser mal feita. Deixa repetir o que os outros gajos andam a tentar e…nada! Deixa mandar poemas (check), dar flores (check), tocar guitarra (check) e…nada! Ai a porra! Então?

    Então que as coisas andavam a correr mal porque havia uma condição cromatográfica deficiente. Em resumo, as cores não encaixavam entre os participantes do jogo amoroso. Ainda não toparam? Eu negro, ela branca? Já estou a ver alguns de vocês a dizer que não, de certeza que as meninas rejeitavam o Edu, porque eram adolescentes parvas e estavam interessadas em outros rapazes…sim, acredito que nalguns casos sim, mas sabem o que é que eu consigo adicionar à equação? O facto de a estrutura mental dessas pessoas não estar preparada para a ideia de uma relação amorosa com um rapaz negro. Ou seja, antes mesmo de um processo de selecção baseado no que raio as mulheres usam como critério, as meninas eliminavam a minha candidatura por razões raciais. Por vezes a sensação era de duas "espécies" que partilham o mesmo habitat mas que não se podiam cruzar, porque são diferentes. Muito forte? 
     Simplesmente não se falava disso na altura amiguinhos, mas a verdade é que na minha adolescência as coisas ainda eram muito, branco com branco, negros com negros…e os outros com os outros. Vivíamos perto uns dos outros, mal e porcamente…e acho que já se tinha superado a fase mais agressiva pós-colonial que a minha avó e tias passaram por estas bandas, (finais de 70’s, 80’s) mas não significava que houvesse uma evolução tal das coisas, que os papás deixassem as filhas entrar por essas interacções raciais. Em resumo, desde que cada “macaco ficasse no seu galho” a coisa até passava. O que não significava que não houvesse farpas de tempos a tempo.

     Uma história para ajudar ao estímulo visual:

“Eduardo convidou uma rapariga colega de escola para ir ao cinema…colega aceitou na sexta-feira, a caminho de casa no autocarro depois das aulas, alta momento “puppy-love”…sábado e rapariga telefona a dizer que o “sim” afinal era “não”, porque os pais não permitiam estas “interacções” entre brancos e negros. Não foi um pai a tentar defender a “virtude” da filha ou assim, mas um pai que não queria um namorado negro para a filha branca. The End” – True Story

   O que eu estou a tentar dizer é que apesar de uma suposta harmonia racial (já não nos andávamos a matar na selva) não significava que as coisas tivessem liberais o suficiente para um final feliz. Olhando para trás acredito que foi apenas uma transição de um racismo aberto e desenvergonhado, para um racismo mais recalcado, encoberto, porque afinal estávamos nos 90’s e ninguém queria parecer mal…porque afinal até gostavam dos Black Company a cantar “Nadar”. Não fui perseguido na rua, não queimaram cruzes à frente da minha casa ou coisa parecida, nunca me maltrataram na escola e os professores sempre foram cinco estrelas. Mas sentia na altura, como sinto agora, que há uma barreira persistente que continua a manter as duas raças separadas neste país. Um persistente e contínuo desconhecimento das supostas culturas, uma barreira tão parva que ainda impede que as pessoas façam algo tão simples como ir jantar à casa alheia, namorem as irmãs, filhas, filhos…sejam amigos e confidentes e que não surjam aquelas pérolas de ignorância branca para um homem/mulher negra. Querem um exemplo?

   “Queres ir jantar à minha casa no Sábado?”
  “A sério? Epá, não sei…o que é que se come na tua casa?”
  “Pessoas, na minha casa comemos pessoas…é que somos pretos canibais. Mas não te preocupes, se eu pedir à minha mãe ela faz um Bacalhau com Natas só para ti!”
  “Epá, não queria dizer nada do género…só perguntei porque…”
 “Por causa das nossas comidas estranhas né? Não te passava pela cabeça que eu pudesse adorar bifes com batata frita e ovo à cavalo?”
    
E como estas tenho centenas de outras, que algum dia hei-de incorporar num show de “stand-up comedy”

De volta ao tema…o Eduzinho começou a perceber que a coisa estava “preta” para ele…rodeado de pessoas brancas, era quase impossível não desenvolver nenhum tipo de sentimento ou atracção pelas minhas colegas, vizinhas ou afins (brancas). E depois do “fisganço” o que se podia fazer, quando estávamos a lidar com raparigas que nem estavam preparadas para ter o gosto por outras cores e feições? Uma barreira cultural, que queiramos ou não, molda o modo como nos atraímos uns pelos outros.

     To be continued

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